30 janeiro, 2009

NÃO SE ADMITE por Michel da Silva

Segundona. Sete e meia da manhã. Praça Ramos de Azevedo e um envelope com cinco currículos de baixo do braço. Tudo pra tentar sair da fila do desemprego. A fila de um prédio em frente da Galeria 24 de maio me pareceu convidativa. As vitrines me instigaram: “Quando ganhar meu primeiro pagamento vou comprar um tênis”. Mas primeiro um trampo. Então deixa pra lá o pensamento alheio.Achei um jornal. Dei uma folheada pra não pesar na consciência e li o seguinte anúncio:“CURSO PROFISSIONALIZANTE PARA OFFICE-BOY”.

Amassei e joguei no lixo. Me lembrei do tempo que eu trampava de office-boy, detalhe: sem fazer curso nenhum. Trombava outros manos nos bancos e fliperamas da vida. Era muita idéia, tiração de sarro, uns rolês. Nosso lema era:“A gente ganha pouco, mas se diverte!”Naquela época eu concordava.No prédio o que mais tinha era agência, e o que menos tinha era emprego.Primeira sala: Mais uma filinha básica. Chegou a minha vez, a moça do balcão me olhou e disse:
- Aqui não pega currículo! Só faz cadastro!
- Tá bom! Posso fazer?
- É um real pra fazer o cadastro... Você vai ser visto por diversas empre...
Antes dela terminar, dei às costas.Segunda sala, no andar de cima: Sem fila. Resolvi entrar. Tirei um currículo do envelope e esperei. Um cara, quando me viu chegar, entrou numa sala fechada. A moça, que estava sentada, fingiu que não me viu. Chamei a atenção dela:

- Por favor...Recebi na lata.
- Pra deixar currículo é cinqüenta centavos, moço!
Balancei a cabeça e fui embora.Caramba! Eu já vi situação em que você paga pra trabalhar, mas pra procurar?Fui embora. Na descida, vi dois manos comentando:

- Que sacanagem! Pagar pra arrumar emprego!
O outro foi além:
- Já ouvi falar que mesmo as agências que não cobram, só pegam currículo pra juntar uma cota boa e vender o papel, vai vendo!

Não agüentei, dei risada da conspiração.Firmeza!
Fui a outro prédio na Barão de Itapetininga. Segui a indicação da placa, sobre o corpo de um senhor na rua. O outdoor humano anunciava 50 vagas para operador de telemarketing, inicio imediato. Me olho brilhou e corri pro endereço.Terceira sala: Mais fila. Na hora que fui atendido a menina do balcão olhou meu currículo e perguntou:

- Você tem experiência em carteira?
- Não, mas trabalhei pra uma cooperativa. Era de operador também.
- Olha moço, pras vagas correspondentes, só estamos aceitando currículo de quem tem experiência. – Eu olhava pra ela e seu rosto parecia se derreter no mesmo ritmo da voz.Tentei manguear na rua de novo . Parei na banca de jornal para olhar as manchetes. Futebol meu time perdeu. Mega Sena acumulou. Greve do metrô. Corrupção na política. Caos nos aeroportos! Sem novidade. Queria mais que tudo explodisse! Pique Bin Landen!

Mirei uma agência na Sete de abril.Quarta sala: Até que enfim a chama reascendeu. A moça do balcão mó atenciosa, leu meu currículo, disse que eu tinha perfil pra vaga. Nem precisei esperar muito. Já fui pra entrevista.
“Agora vai virar” – pensei.
Na salinha fui atendido por um outro cara.
- Bom dia, Paulo! – falou olhando pra minha ficha
- Bom dia
- Então, nos aprovamos seu currículo! Você foi selecionado pra fazer um treinamento de trinta dias e após o treinamento você inicia na empresa. Ok?
- Tudo bem!?
Ele continuou com um sorriso largo:
- No final desses trinta dias você vai receber um certificado de conclusão do curso. O único custo é o material didático, 150 reais. Mas a vantagem é que você já está com a sua vaga garantida e mesmo que você não fique na nossa empresa, você vai ter um diploma de operador de telemarketing. O curso inicia amanhã, posso confirmar seu nome?

26 janeiro, 2009

Palavrões - Millor Fernandes

Lendo o texto do Daniel (post anterior a esse) me lembrei de um escritor brasileiro de considerada fama. Esse é Millor Fernandes, atual colaborador da revista Veja.

Com o interesse de despertar a curiosidade do Daniel para esse autor, me empenhei na procura de um blog ou um sítio que dissesse algum coisa sobre Millor ou que disponibilizasse textos periódiocos do mesmo.

Por fim, minha busca se encerrou no espaço do sitio da UOL, sitio em que o Millor escreve periodicamente (http://www2.uol.com.br/millor). Além dele, é lógico, encontrei outros diversos sitios que publicam e publicaram trabalhos do Millor.

Em um deles, http://rededoblog.blogspot.com/2008/09/palavres-por-millor-fernandes.html, encontrei um texto sobre "palavrões" que me fez rir bastante(posto ele abaixo).

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Breve histórico de Millor (encontrado no Wikipédia)

Nasceu Milton Viola Fernandes, tendo sido registrado, graças a uma caligrafia duvidosa, como Millôr, o que veio a saber adolescente. Aos dez anos de idade vende o primeiro desenho para a publicação O Jornal do Rio de Janeiro. Recebe dez mil réis por ele. Em 1938 começa a trabalhar como repaginador, factótum e contínuo no semanário O Cruzeiro. No mesmo ano ganha um concurso de contos na revista A Cigarra (sob o pseudônimo de "Notlim"). Assumiria a direção da publicação algum tempo depois, onde também publicaria a seção "Poste Escrito", agora assinada por "Vão Gogo".

Em 1941 volta a colaborar com a revista O Cruzeiro, continuando a assinar como "Vão Gogo" na coluna "Pif-Paf". A partir daí passa a conciliar as profissões de escritor, tradutor (auto-didata) e autor de teatro.

Já em 1956 divide a primeira colocação na Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires com o desenhista norte-americano Saul Steinberg, e em 1957 ganha uma exposição individual de suas obras no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Dispensa o pseudônimo "Vão Gogo" em 1962, passando a assinar "Millôr" em seus textos n'O Cruzeiro. Deixa a revista no ano seguinte, por conta da polêmica causada com a publicação de A Verdadeira História do Paraíso, considerada ofensiva pela Igreja Católica.

Em 1964 passa a colaborar com o jornal português Diário Popular. Em 1968 começa a trabalhar na revista Veja, e em 1969 torna-se um dos fundadores do jornal O Pasquim.

Nos anos seguintes escreveria peças de teatro, textos de humor e poesia, além de voltar a expor no Museu de Arte Moderna do Rio. Traduziu, do inglês e do francês, várias obras, principalmente peças de teatro, entre estas, clássicos de Sófocles, Shakespeare, Molière, Brecht e Tennessee Williams.

Depois de colaborar com os principais jornais brasileiros, retorna à Veja em setembro de 2004.

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Millor Fernardes - Palavrões

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia. "Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!" e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!" o substituem. O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e, mais recentemente, o "prepone" - presidente de porra nenhuma. Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!". E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e sai à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!". Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala.

Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas.Me liberta. "Não quer sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal. Liberdade, igualdade, fraternidade. E...foda-se!"

24 janeiro, 2009

A TRETA DA MODERNIDADE

Segue aqui o relato de Sandro Barbosa do Nascimento, um ex-menino de rua que sobreviveu ao massacre da Candelaria (mas nao ao onibus 174) e que acompanhou de perto todo o conflito e disputa que marcou, e marca, essa nossa era que se diz moderna.
`Ate um pouco antes da tal revolucao industrial, Deus criador dominava a terra. Dentre as coisas que Ele criou estava o homem. Este, vaidoso e desejoso de poder passou a querer tambem criar. Os homens desejavam criar uma referencia de homem que pudesse tomar o lugar de prestigio que Deus ocupava. Sua primeira tentativa foi Frankenstein. Mas a pouca experiencia que os homens tinham na arte da criacao fez com que sua primeira tentativa de referencial humano, Frankenstein, nao saisse com uma cara la muito boa.
Depois disso, alguns alemaes tentaram novamente desafiar a soberania de Deus. Dentre eles estava um tal de Friedrich Nietzsche. Nietzsche passou a nao botar muita fe em Deus e passou a desenvolver a ideia da criacao do Super Homem. Boatos que Nietsh tinha matado Deus e criado o Super Homem comecaram a se espalhar. Os agentes infiltrados da CIA, sabendo disso, roubaram o projeto do alemao e fizeram algumas pequenas alteracoes, como a mudanca da cor da roupa, deste tal Super Homem, para vermelho, azul e branco. Apartir dai o tal Super Homem passou a salvar os homens no lugar de Deus.
Indignados com o roubo do projeto de Nietzsche, alguns de seus amigos e discipulos alemaes comecaram a tecer criticas a este tal Super Homem Americano. Um tal frances, de nome Michel Foucault, motivado pelas reclamacoes deste grupo de alemaes resolveu matar o tal Super Homem. Nao que ele gostasse de Deus e quisesse devolver o poder a Este, mas e que ele nao gostava mesmo era do tal Super Homem. Com uma pequena ajuda dos alemaes reclamoes la da cidade das Mercedes, Frankfurt, que disseram que a contradicao estaria dentro do proprio inimigo, Foucault foi ate a nave que o tal Super Homem chegou aqui na terra e pegou a tal da criptonita. Foucault enfiou a criptonita na cara do Super Homem que, sem moral, voltou para Washington. Entao, boatos que Foucault tinha matado o Super Homem comecaram a se espalhar.
Assim, Deus aparece de volta. Mas bem antes que Deus pudesse usufruir de sua volta triunfal a administracao dos negocios terrenos, Washington, tirando o azul da roupa do Super Homem e pondo barba e barriga falsa, enviam este de volta ao combate, agora com o pseudonimo de Papai Noel.
Desta vez, bancado pela Coca Cola e muito mais forte, o Super Homem (agora Papai Noel) tira Deus de vez do seu trono e lhe toma tudo, ate mesmo sua data de aniversario.
No final das contas, a `bomba` criada na disputa entre americanos e alemanhas, com uma pitada de intriga francesa, e logico, acaba estourando nas maos dos palestinos da Faixa de Gaza. Estes que nao tinham nada a ver com a coisa, acabaram pagando o pato. Tambem Deus nao se deu por vencido. Este prometeu voltar, mas a maioria da dos palestinos la da Faixa de Gaza botam fe em um outro Deus, e nao neste Deus que prometeu voltar.`


Por mim mesmo.

19 janeiro, 2009

Poeta GOG

Vale a pena ouvir essa música/poema

Brasil com P (GOG e Maria Rita)

16 janeiro, 2009

Debate em pauta


E aí pessoal.

Vai aí um convite para todos aquele interessados em debater preconceito linguístico e suas consequências. O debate está sendo realizado no sítio Elo da Corrente - http://www.elo-da-corrente.blogspot.com/

Todos estão convidados a chegar.

Sejam bem vindos!

12 janeiro, 2009

Vídeo critica a sociedade

O Clipe abaixo, feito pelo grupo americano flobots, mostra uma crítica a sociedade da ditadura do consumo.
O Clipe faz uma alusão, no meu ponto de vista, a liberdade individual que temos quando estamos mais próximos a natureza. Essa proximidade está no fato de respeitarmos os limites naturais do ser humano, para que possamos tomar atitudes humanas frente as questões da vida. Na momento em que "apertos de botão" mudam as trajetórias de nossa história, as razões de existência humana também são modificadas.
O clipe cita celular, super construções, controle remoto, carros, motores, grandes negócios, meios de comunicação em massa e por aí vai, como formas de controle sobre a vida do ser humano ou, a deshumanização humana.
Em contra partida à esse sentimento, o clipe cita o sentimentos de ser uma pessoas sozinha, na rua, por ela mesma, sentindo-se livre, como quando estamos em uma bicicleta e soltamos as mãos ao ar.


09 janeiro, 2009

Israel

Para quem não sabe, o escritor português José Saramago tem um blog agora.
O único escritor de lingua portuguesa que já ganhou um prêmio nobel por seu trabalho tem um blog onde expressa suas idéias e suas inspirações. Para aqueles q forem tocados pelo interesse de ler as palavras de Saramago, aí vai o blog - http://caderno.josesaramago.org/
Entre os diversos textos escritos pelo autor, selecionei um que realmente nos toca nesse momento de crise mundial, com os ataques de Israel a faixa de Gaza, ao Hamas e aos palestinos.
O texto expressa a condição confortável em que Israel se encontra no momento em que pratica seus ataques. Ignorado, ou apoiado, pelas grandes potências mundial, (EUA e França) o massacre, ou limpeza etnica, realizado na faixa de gaza deve ser publicado e divulgado como mais uma injustiça da humanidade. Injustiça que, mesmo na figura especial de Barack Obama, não encontra nenhum resistência.
Mortos e mais mortos. Uma pilha deles. Em todos os lugares, de todas as formas.
São mais de 750 pessoas até agora. Isso de acordo com os dados oficiais.
Essa chacina deve ser denunciada. Como toda chacina!
Acho que Saramago, como fabuloso escritor que é, faz isso de uma forma muito mais clara e simple que eu. Abaixo estão suas palavras.

José Saramago - Israel http://caderno.josesaramago.org/2008/12/31/israel/

Não é do melhor augúrio que o futuro presidente dos Estados Unidos venha repetindo uma e outra vez, sem lhe tremer a voz, que manterá com Israel a “relação especial” que liga os dois países, em particular o apoio incondicional que a Casa Branca tem dispensado à política repressiva (repressiva é dizer pouco) com que os governantes (e porque não também os governados?) israelitas não têm feito outra coisa senão martirizar por todos os modos e meios o povo palestino. Se a Barack Obama não lhe repugna tomar o seu chá com verdugos e criminosos de guerra, bom proveito lhe faça, mas não conte com a aprovação da gente honesta. Outros presidentes colegas seus o fizeram antes sem precisarem de outra justificação que a tal “relação especial” com a qual se deu cobertura a quantas ignomínias foram tramadas pelos dois países contra os direitos nacionais dos palestinos.

Ao longo da campanha eleitoral Barack Obama, fosse por vivência pessoal ou por estratégia política, soube dar de si mesmo a imagem de um pai estremoso. Isso me leva a sugerir-lhe que conte esta noite uma história às suas filhas antes de adormecerem, a história de um barco que transportava quatro toneladas de medicamentos para acudir à terrível situação sanitária da população de Gaza e que esse barco, Dignidade era o seu nome, foi destruído por um ataque de forças navais israelitas sob o pretexto de que não tinha autorização para atracar nas suas costas (julgava eu, afinal ignorante, que as costas de Gaza eram palestinas…) E não se surpreenda se uma das suas filhas, ou as duas em coro, lhe disserem: “Não te canses, papá, já sabemos o que é uma relação especial, chama-se cumplicidade no crime”.

Raça em Cuba - Carta aberta de Carlos Moore ao presidente de Cuba

Buscando informações pela internet, lendos livros específicos, periódicos ou qualquer informativo que tenha alcance mundial, podemos observar e concluir que existem coisas comuns em todos os grupos sociais pelo mundo.
Entre esses "pontos comuns", um muito específico, e bem geral, é a questão da raça.
Quase todos os países ao redor do mundo tem raças diferentes de seres humanos vivendo no mesmo espaço. Coisa normal e cotidiana.
Entre esses países, existem aqueles que admitem discriminação racial e os que a negam. A diferença entre eles é meramente prática. Os países que alegam haver discriminação racial em seu terrítório, ou no meio de sua população, adotam medidas práticas para solucionar o problema. Em geral são medidas de ordem política que tendem a diminuir e/ou solucionar os conflitos inter-raciais.
Por outro lado, os paises que negam a existência dos problemas de ordem racial em seu terrítório não tomam nenhum tipo de ação transformadora. Aceitam o status quo em que se encontram.
O Brasil, está no primeiro grupo. Admite conflitos inter-raciais internos. Principalmente após o início do governo Lula. É um país que consegue enxergar suas deficiencias e está ciente de suas necessidades de mudança.
Um exemplo dos países que negam a existencia de conflito inter-racial é Cuba. Um país socialista que vive sobre a sonbra da democratização eleitoral. Desde a instituição do governo socialista ainda não foram criados pontos políticos para regulamentação da desigualdade desse país mais negro do que branco.
Um dos guerreirons na luta em abrir os olhos cubanos aos seus problemas inter-raciais é o intelectual exilado Carlos Moore.
Moore é exilado no Brasil e endereçou uma carta à Raúl Castro Ruz. Carta onde o exilado pede ao líder cubano serenidade na avaliação dos conflitos inter-raciais e mudanças imediatas na condução das políticas do país no que tange a questão.
Segue abaixo a carta de Carlos Moore e a introdução escrita por Nelson Maca.

Devo esse link com Carlos Moore ao blog do meu chegado Michel - Elo da corrente - http://elo-da-corrente.blogspot.com/
E ao blog do Nelson Maka - Gramática da ira - http://www.gramaticadaira.blogspot.com/

Carlos Moore escreve carta aberta ao Presidente de Cuba


Caros Amigo, Amigas, Parceiros e Parceiras, Ativistas e Jornalistas,

invoco-os a participar criticamente do debate deste importante capítulo da Grande Política que se inaugura no continente americano com a eleição de Barack Obama e os desdobramentos continentais de sua vitória.

Destaco, aqui, mais especificamente, o embargo histórico que os EUA promove contra Cuba. Mas falo, principalmente, do embargo histórico interno que o sistema revolucionário cubano promove contra parcela de seu povo: nós, os negros.

No momento em que governos de estado e lideranças política e culturais do continente encontram-se em Salvador, para uma reunião que defende rumos da vida na América Latina, aproveitamos, para ecoar a voz do ativista cubano exilado Carlos Moore sobre a complicada e ainda insolúvel questão negra em seu país de origem.

Por isso venho solicitar a todos que se sentirem sensibilizados que nos ajudem, neste momento tão oportuno, a potencializar este debate, publicando e divulgando a Carta Aberta ao Presidente de Cuba de Carlos Moore em todos os meios possíveis: listas, blogs, sites, jornais, etc.

Tenha certeza que esta é também a nossa luta!

África! One People! OneLove!

Nelson Maca – Blackitude.Ba

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Carta Aberta ao Presidente de Cuba

por: Carlos Moore



Salvador, Bahia, 17 de Dezembro de 2008

Sua Excelência General de Exército Raúl Castro Ruz
Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros
Conferência de Chefes de Estado e de Governo da América Latina e do Caribe,
Costa do Sauípe, Bahia, Brasil


Senhor presidente,

Se me dirijo a V. Ex.ª por meio desta Carta Aberta é porque essa é a única forma que tenho de chegar diretamente a V. Ex.ª, e também porque quero que meus concidadãos e todos aqueles que no mundo se interessam pelos problemas vitais de nossa época, se inteirem do que aqui exponho.

Tanto V. Ex.ª, descendente de europeus nascidos na Espanha, como eu, descendente de africanos nascidos no Caribe, somos Cubanos, mas esse fato não nos confere nenhum privilégio específico como humanos, a não ser o direito de ter uma voz nos destinos do país em que
nascemos. Uso desse direito sem apologia.

Sei que um mundo de divergências separam nossas respectivas concepções sobre a vida, as relações sociais, a maneira de conduzir os destinos de nosso país e, enfim, a interpretação daquelas realidades que impactam a vida cotidiana dos cubanos de maneira negativa. Mas, V. Ex.ª, como mandatário de nosso país, e eu como cidadão desse mesmo país, temos em comum o fato de que, sejam quais forem nossas divergências, compartilhamos a responsabilidade de transformar nosso presente social, assim como a responsabilidade de modelar nosso futuro coletivo como nação. Da ação ou inação de cada cubano, seja qual for sua condição social, gênero, raça, orientação sexual, ou convicção política, dependerá o porvir de todos.

Sempre apoiei e respeitei a soberania nacional e, por isso, sempre me opus a qualquer medida, seja o embargo econômico ou as ameaças contra o território nacional, que puderam colocar a independência de Cuba em perigo ou lesar os interesses de sua população. Mas também, e pelas mesmas razões, sempre advoguei pelo direito inalienável do povo de Cuba, ou de qualquer povo, a dirigir seu próprio destino mediante instituições representativas e com dirigentes que sejam eleitos em campanhas livres e verdadeiramente democráticas; isto é, em eleições onde estão colocadas diferentes idéias representadas por movimentos e partidos organizados, com plataformas políticas e propostas sociais realmente independentes e diferentes. Estimo que, só assim, pode um povo exercer seu direito de optar pelo que melhor lhe convenha. Portanto, sou inimigo de qualquer ditadura ou sistema totalitário, seja da chamada direita ou da denominada esquerda, e não compartilho da opinião de que a democracia seja um luxo reservado aos burgueses.

Não vou fazer rodeios para manifestar a V. Ex.ª minha sólida convicção de que o racismo, fenômeno que impera em nosso país e que cada vez cobra novos espaços na vida política, econômica e cultural da nação, é o maior, mais grave e mais tenaz problema que confronta a sociedade cubana.

Se deixarmos de lado os discursos grandiloquentes, mas vazios, e as declarações contundentes, mas enganadoras, sobre a suposta supressão do racismo e da discriminação racial em Cuba, aparecerá diante de nossos olhos um mundo concreto de desigualdades e iniquidades sócio-raciais que foram estruturadas por séculos e séculos de opressão racial e de ódio contra a raça negra. Esse foi o mundo que concretamente herdou a Revolução que chegou ao poder em 1959, mas que os dirigentes desta última se mostraram incapazes de interpretar corretamente, por serem homens e mulheres procedentes, como eram, das classes médias brancas que sempre dominaram o país e monopolizaram sua direção política e econômica.

A hegemonia branca, com seu concomitante racismo, é uma realidade histórica que o governo revolucionário, longe de destruir, contribuiu para solidificar e estender quando declarou a inexistência do racismo, o fim da discriminação racial e o advento de uma sociedade de “democracia pós-racial” socialista. Isso significa que tanto os dirigentes da Revolução que tantas transformações sociais benéficas trouxeram para nosso país, como o povo que lhes deu seu apoio ao processo revolucionário, eram reféns do mesmo passado brutal nascido do ventre da escravidão racial que impuseram os europeus nestas terras americanas. Desse ventre monstruoso surgiu uma sociedade racista. Por tanto, Cuba é hoje um país que fala com duas vozes totalmente distintas, uma branca e outra negra, ainda que, às vezes, essas tenham se fundido, temporariamente, em momentos específicos de nossa história comum.

Senhor presidente,

É um fato sabido que a Cuba socialista foi o único país no mundo que proclamou, publicamente, que havia eliminado o racismo e a discriminação racial, e que havia empoderado a população negra. Consequentemente, o governo revolucionário reprimiu, perseguiu e forçou ao exílio todos aqueles negros, intelectuais ou trabalhadores, que sustentaram o contrário. Para esses últimos, foram reservados os campos de trabalho forçado, as prisões, o manicômio ou o exílio. Eles foram tidos como “racistas ao contrário”, “racistas negros”, “contra-revolucionários”, “agentes do imperialismo”, e até como “instrumentos da CIA”.

Grandes pensadores negros, como o Dr. Juan René Betancourt Bencomo ou o professor Waltério Carbonell, pagaram um preço muito alto por haverem se levantado contra a doutrina racial que foi erigida em política de Estado durante cinco décadas e que consistiu em negar a existência da opressão racial e do racismo em Cuba sob a Revolução. É por essa razão que hoje os olhos do mundo se voltam cada vez mais para nossa suposta “democracia pós-racial” para saber por que o regime revolucionário destruiu aqueles que se negaram a conviver com essa Grande Mentira.

Cuba é um país onde uma revolução conseguiu derrubar os velhos privilégios de uma oligarquia republicana corrupta e submissa ao estrangeiro, mas onde, até o dia de hoje, a população de raça negra, majoritária no país, está confinada a jogar um papel de subalternidade. As honrosas exceções negras que ascendem à cúpula do poder o fazem unicamente com o beneplácito da elite dominante, predominantemente de origem européia, e confirmam assim a realidade, também dominante, baseada na subalternidade da raça negra em Cuba, depois de meio século de revolução socialista. Essa é a realidade. E negá-la seria persistir na Grande Mentira.

O racismo é a última fronteira do ódio entre humanos, precisamente porque raça é a mais profunda e duradoura linha divisória que determina quem tem acesso privilegiado e protegido aos recursos da sociedade, e a quem é vedada qualquer oportunidade de usufruto desses mesmos recursos. O racismo é uma estrutura de distribuição diferenciada, racialmente seletiva, dos recursos da sociedade e do planeta, que se perpetua através do monopólio do poder político. Portanto, trata-se de um modus operandi permanente, não de uma aberração; de uma estrutura de poder total que funciona maravilhosamente bem para garantir a permanência do domínio de uma raça especifica em detrimento das outras, e não um mero reflexo das simpatias e antipatias que surgem do jogo interpessoal.

A maioria dos dirigentes cubanos, revolucionários e marxistas, é branca num país onde a maioria da população é negra. Qual seria a razão para isso? E porque razão o racismo persiste e se expande constantemente, abarcando cada vez mais espaços da sociedade cubana, e impregnando as estruturas mentais individuais e coletivas em Cuba? O poder é branco em Cuba, e a discriminação racial contra os negros cubanos se mostra cada vez com mais força, unicamente por causa do racismo. O racismo se reforça constantemente, não somente em Cuba, mas em todos os países, precisamente pela mesma razão: porque funciona positivamente para aqueles que, em função de sua raça, se beneficiam do acesso racialmente seletivo aos recursos da sociedade. Se não fosse assim, o racismo teria desaparecido há milhares de anos, como desapareceram tantas realidades que surgiram da imaginação criativa do ser humano.

Senhor presidente,

O objetivo desta carta é contribuir com o debate que está sendo levado a cabo em nosso país sobre o rumo que haverá de tomar a nação num momento crucial de sua existência; momento que deverá enfrentar os desafios do novo milênio com políticas novas e verdadeiramente inovadoras que resolvam os problemas que atingem nossa sociedade. Com esse objetivo, quero propor a V. Ex.ª um conjunto de medidas mínimas que me parecem necessárias para começar o processo que nos leve, posteriormente, todos os cubanos anti-racistas e nacionalistas, a desafiar e superar a herança do passado. Esse passado se manifesta hoje nas desigualdades raciais que debilitam a unidade nacional, particularmente em momentos em que Cuba tem a possibilidade, pela primeira vez em cinquenta anos, de resolver seu litígio com os Estados Unidos de maneira pacífica.

Mas seria hipócrita e imoral pedir o cessar do embargo/bloqueio que os Estados Unidos injustamente impuseram a Cuba, sem que os dirigentes de Cuba se comprometam, também, a levantar o embargo/bloqueio que o regime revolucionário impôs à população majoritária do país desde o início da Revolução. Ambos os embargos/bloqueios devem ser levantados, simultaneamente, sem pré-condições de nenhum dos dois lados. E, por meio desta carta, quero contribuir para que nosso país, atualmente sob seu comando, encontre a melhor maneira de alcançar esse objetivo em meio a um consenso formado na unidade nacional. .

Concretamente, sugiro, como um primeiro passo, que seu governo tome, sem demora, as seguintes medidas:

· Estabelecimento de um estado social de direito como pré-condição do exercício democrático da cidadania cubana; prescrição de todas as práticas discriminatórias, sejam de natureza política, de gênero, de raça, de orientação sexual ou de confissão religiosa; libertação de todos os presos políticos em Cuba e dos presos de consciência.

· Extinção da proibição que foi colocada judicialmente contra as “Sociedades de Cor”, instituições históricas que formam parte do patrimônio cultural dos negros cubanos e que são indispensáveis como esferas diferenciadas de organização da raça negra em Cuba; restauração do direito de existência e de organização dessas Sociedades, conforme a existência em Cuba de organizações do mesmo tipo a favor de outras etnias (tais como, as organizações de cubanos de origem chinesa, basco, galego, hebreu, árabe); autorização de qualquer organização propriamente negra (cultural, social, desportiva, estudantil, política ou artística) cuja finalidade seja a luta contra o racismo e a discriminação racial.

· Reabilitação de todas as figuras históricas e pensadores negros proscritos e/ou silenciados ao longo da história de Cuba, antes e depois da Revolução, assim como a publicação das obras de militantes negros que lutaram pelo fim do racismo e da discriminação racial (Rafael Serra, Evaristo Estenoz, Pedro Ivonnet, Ramón Vasconcelos, Gustavo Urrutia, Juan René Betancourt Bencomo, Walterio Carbonell ….).

· Condenação oficial do genocídio perpetrado pelo Estado cubano em 1912, contra a população negra, fato que, até hoje, o Estado não reconheceu de maneira oficial; reabilitação do programa político do Partido Independente de Cor (PIC) e de seus lideres históricos (Evaristo Estenoz, Pedro Ivonnet e outros), visando o restabelecimento da memória histórica nacional.

· Autorização para a criação de um organismo nacional autônomo de Negros Cubanos, na forma de uma Fundação Nacional para Fomento do Desenvolvimento Econômico da População Negra (FUNAFEN), para atender aos graves problemas sócio-econômicos que enfrenta a população negra e com atribuições para obter fundos de caráter nacional e internacional para melhorar as condições de vida nos bairros mais pobres; criar novos programas específicos para a capacitação profissional de jovens afro-cubanos que os prepare para as demandas da economia nacional e global.

· Adoção, por parte do Estado, de novas medidas com relação às remessas que seus cidadãos recebem do exterior (e estimadas em 1.5 bilhões de dólares por ano, dos quais menos de 15% chegam às mãos da população negra); adoção de uma carga impositiva sobre essas remessas, que deveria estabelecer 10% ao invés dos 20% atuais; e o 50% deste último imposto, recolhido pelo governo, deverá ser incorporado automaticamente à FUNACEN, atendendo ao fato de que as remessas do exterior favorecem o incremento vertiginoso das desigualdades raciais em Cuba.

· Autorização para a convocação, por organizações autônomas dentro de Cuba, e sem interferência dos órgãos do poder, de um Congresso Nacional sobre o Racismo e a Discriminação Racial; autorização para que intelectuais e militantes Afro-cubanos independentes, residentes em Cuba, possam participar de uma Mesa Redonda de Nacionalistas Cubanos do interior e da Diáspora, com a finalidade de discutir estratégias de combate ao racismo em Cuba.

· Autorização para a criação de um Observatório Nacional para monitorar a situação racial em Cuba e trabalhar a favor da eliminação das práticas racialmente discriminatórias de qualquer tipo, seja no domínio público como no privado.

· Adoção de medidas e políticas concretas que dignifiquem e façam respeitar o fenótipo associado à raça negra e que é objeto em Cuba de rejeição e de ridicularização, especialmente no caso da mulher negra; projeção positiva do fenótipo do afro-cubano em todos os meios de comunicação de massa, manifestações culturais e formas de representações artísticas, com o fim de combater o escárnio racista dirigido maciçamente às características raciais da população de herança africana (nariz, lábios, cor, cabelo crespo, morfologia…).

· Criminalização formal do racismo e da discriminação racial em todas as esferas da vida nacional sem direito a fiança, conforme já existe no Brasil (Lei Caó); proposta à Assembléia Nacional de novas legislações especificamente designadas para punir qualquer tipo de manifestação de discriminação ou humilhação racial na esfera pública ou privada.

· Reconhecimento pleno da mulher negra cubana como protagonista extraordinária da dignidade nacional, mas que sofreu e continua sofrendo duplamente a discriminação; lançamento de uma campanha nacional em prol da revalorização do fenótipo específico da mulher afro-cubana; autorização para a criação de uma Organização de Mulheres Afro-cubanas, totalmente independente da Federação de Mulheres Cubanas (FMC) e com capacidade para buscar financiamento externo.

· Reconhecimento da existência de maiorias orgânicas no país, atendendo principalmente aos parâmetros de sexo e raça, que deverão refletir equitativamente em todos os órgãos de decisão política, econômica e cultural, considerando que mais de 60% da população cubana atual é de origem africana; estabelecimento de um mecanismo de representatividade progressiva que garanta a presença efetiva da população Afro-cubana em todos os níveis e em todas as instâncias do país, e que, para começar, deverá alcançar nos próximos cinco anos 35% das posições-chave do Partido, do Governo, do Parlamento, das Organizações Populares, da direção das Forças Armadas e do Ministério do Interior, dos meios de difusão de massa (em especial o cinema e a televisão), da indústria turística, e das empresas mistas criadas com capital estrangeiro.

· Reconhecimento oficial e respeito efetivo das religiões Afro-cubanas, em pé de igualdade com as demais religiões em Cuba, mediante a instauração de um mecanismo de diálogo permanente da direção política do país com as referidas religiões, como se fez com as religiões cristãs, conferindo-as, assim, o lugar que legitimamente lhe é de direito, e que impulsionaria o processo de consolidação da identidade nacional e cultural; interrupção imediata de todas as práticas oficiais ou extra-oficiais que resultem na interferência, folclorização e exploração para fins turísticos das religiões de origem africana, adotando-se medidas penais adequadas que impeçam sua discriminação, como deve ser em um estado laico.

· Imposição de lei, em todos os níveis do sistema educativo, do ensino da História da África e dos povos de origem africana nas Américas, como já fez o Brasil (Lei 10639/03); publicação das obras de referência mundial que elucidam a história da África em todos os seus aspectos, e daquelas obras que evidenciam a história do próprio racismo; desenvolvimento dos estudos e pesquisas sobre a problemática afro-cubana na história e na sociedade, a fim de fortalecer a identidade nacional e levantar a auto-estima da pessoa negra; criação de disciplinas de estudos afro-cubanos nas universidades e de centros de estudos étnico-raciais extra-muros.

· Implementação de políticas públicas de ação afirmativa, como uma estratégia global capaz de conduzir a uma equiparação sócio-econômica daqueles cidadãos que, por causa de sua origem racial, sofrem desvantagens historicamente construídas, como consequência de serem descendentes das populações africanas que foram escravizadas em Cuba, e que, por tanto, seriam uma forma concreta de reparação moral para a população negra.

· Realização de um censo nacional baseado em parâmetros científicos modernos como base para avaliar a extensão das injustiças sociais que afetam desproporcionalmente a população Afro-cubana, e atendendo ao fato de que os resultados dos censos realizados nos últimos cinquenta anos merecem total desconfiança.

Senhor presidente,

Pessoalmente, estou convencido de que V. Ex.ª tem consciência da gravidade do momento e da pouca margem de manobra que teria qualquer dirigente em sua posição. Contudo, a seu favor, acorrem certas circunstâncias próprias que devem ser aproveitadas, se o objetivo é salvar as conquistas sociais que o povo de Cuba obteve através da Revolução de 1959. Considero como algo benéfico, para V. Ex.ª e para Cuba, precisamente, o fato de que V. Ex.ª não seja um líder carismático tradicional, o que lhe permite ser, em contrapartida, um dirigente realista e pragmático, capaz de reconhecer o perigo quando o vê.

Estou convencido de que os numerosos dispositivos de inteligência que V. Ex.ª tem sob seu comando, a grande quantidade de institutos de pesquisa social que o regime revolucionário criou ao longo das décadas para analisar a realidade social e tomar o pulso da população, proporcionou suficientes dados sociológicos, empíricos e abstratos, que permite concluir que algo novo está acontecendo na consciência coletiva da população negra majoritária e que esse “algo” não poderá ser satisfeito a não ser com um empoderamento efetivo, a partir de formas de organização legitimamente populares e surgidas de baixo.

Chegou o momento de mudar drasticamente, e num tempo mais rápido possível, a situação da população negra em Cuba, atendendo tanto à urgência que sentem aqueles que nunca tiveram o poder, e aos problemas gigantescos com os quais têm de se confrontar. Mudanças profundas devem ser feitas agora, sem qualquer pretextos ou estratégia de retardos, sem demora, para modificar de maneira radical, permanente e abrangente o panorama sócio-racial da sociedade cubana. Não há tempo a perder: cada minuto de espera é uma porta aberta a situações imprevistas e difíceis de serem controladas, na medida em que apareçam.

Seria perigoso continuar a pensar que “aos negros não interessa o poder”, e continuar postergando aquelas medidas sem as quais não pode acontecer o empoderamento verdadeiro da população que é maioria em Cuba. É por isso que nas mãos de V. Ex.ª está atualmente a possibilidade de fazer uma ruptura completa com o passado e fazer o que nenhum dirigente que o precedeu se atreveu a fazer: trabalhar a favor do empoderamento efetivo daqueles que, há mais de trezentos anos, vivem em um estado permanente de Período Especial.

Falei a V. Ex.ª em meu nome, e só em meu nome. No entanto, sei que as opiniões emitidas nesta carta têm eco naquelas que cada vez mais estão sendo formuladas no país. E eu sei que V. Ex.ª sabe disso.

Com muita deferência e saudações nacionalistas,

Carlos Moore
Etnólogo e Professor de Relações Internacionais


Carlos Moore nasceu e cresceu em Cuba. Doutor em Ciências Humanas e Doutor em Etnologia da Universidade de Paris-7 na França, ele é atualmente Chefe de Pesquisa (Sênior Research Fellow) na Escola para Estudos de Pós Graduação e Pesquisa da University of the West Indies (UWI), Kingston, Jamaica.

Ele foi consultor pessoal para assuntos latino-americanos do Secretário Geral da Organização da Unidade Africana (atualmente União Africana), Dr. Edem Kodjo, de 1982 a 1983, e consultor pessoal do Secretario Geral da Organização da Comunidade do Caribe (CARICOM), Dr. Edwin Carrington, de 1966 a 2000. Foi assistente pessoal do professor Cheikh Anta Diop, diretor do Laboratório de Radiocarbono do Instituto Fundamental da África Negra, de 1975 a 1980, em Dakar, Senegal.

Autor de cinqüenta e cinco artigos publicados sobre questões internacionais, seus livros são: Pichón: Race and Revolution in Castro´s Cuba (Chicago: Lawrence Hill Books, 2008); A África que Incomoda (Belo Horizonte: Nandyala Editora, 2008); Racismo & Sociedade (Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007); African Presence in the Americas (Trenton NJ: Africa World Press, 1995), redator principal; Castro, the Blacks, and Africa (Los Angeles, CA: CAAS/UCLA, 1989); This Bitch of a Life (London: Allison e Busby); Cette Putain de Vie (Paris: Karthala, 1982).