22 julho, 2010

Sonho de gente grande

Ontem estava lendo um livro chamado Contos Checos. E como o título já diz, são contos, histórias curtas, produzidas por escritores da República Checa.
Entre os contos que li, percebi uma singularidade. Todos utilizavam de linguagem metafórica para descrever os cenários e as histórias. Conversas com animais, metamorfoses de vegetais e mudança no formato do terreno, tudo para dar ao leitor uma visão holistica do que está acontecendo na cabeça do personagem no momento de sua breve "vida".
Em uma das histórias o escritor Ivan Vyskocil, explicita o sonho de seu personagem, José. Seu personagem deseja ser grande, adulto, formado, um exemplo. E para isso ele tem uma idéia em mente. Comprar um carro! Na sua imagem, um carro é tudo o que uma pessoa pode querer, porque com ele não se perderia mais tempo esperando o transporte coletivo, se faria mais coisas em menos tempo, não correria o risco de ser importunado por inconveniencias passageiras, enfim, para José um carro mudaria a vida de qualquer pessoa. E além de todos os benefícios que o carro pode trazer, ele ainda tem o poder de ser um rito de passagem.
O poder de ser rito de passagem se dá, na cabeça de José, pelo significado de dirigir um carro. Escolher seu próprio rumo, o destino de sua vida. Com o carro, as possibilidades de passar em qualquer rua para fazer o trajeto diário se abre. Não se frequenta sempre as mesmas vias, como com o transporte coletivo. O carro é autônomo. Ele é o que realmente diferencia as pessoas entre crianças e adultos, verdes e maduros, crus e cozidos. Uma pessoa com carro é uma pessoa, sem carro é ainda um projeto.
Essa história toda me remeteu a uma simbologia do poder das coisas. E como um carro significa algo muito além de um meio de transporte. Ou como uma roupa significa muito mais que apenas um pano para cobrir o corpo. Ou ainda como gestos e formas de andar podem dizer bastante sobre a classe social e a história pessoal. Ou mesmo, voltando para história do carro, como a posse de certos objetos resignifica a vida da pessoa. Como é o exemplo da posse de armas.
A posse de um simples bastão pode signicar a possibilidade de ... um indivíduo colocar sua cabeça para cima e estufar seu peito. Se estiver trajado especialmente para isso então, isso pode agregar valores morais inimagináveis. Infelizmente essa realidade é sofrida por muitos. Policiais, seguranças, vigias e todo o tipo de supervisão orientada para coibir ações não desejadas tem o respaldo, seja da sociedade, seja de instituições privadas, para oprimir aqueles que passam por cima das normas. Normas morais, imorais, econômicas, pessoais, personalizadas, institucionalizadas, corrempedoras, enfim, todo tipo de normatização que tem a intenção de padronizar comportamentos e atitudes.
Não podemos reclamar muito sobre isso afinal, aceitamos normatizações. Ou desejamos as. Locke, Hobbes e Rousseau bem sabem disso. Aceitamos para vivermos em harmonia, com a sapiencia de que tudo vai ocorrer da forma como foi "assinado".
Sendo assim, vou contar um "causo"...
Moro em Curitiba. Para aqueles que não moram aqui, Curitiba é tida como uma cidade com um dos sistemas de transporte mais eficientes do Brasil (alguns dizem ser até do mundo - mesmo tendo que andar como sardinha enlatada todos os dias!). Esse sistema de transporte basicamente pode ser traduzido por um complexo de ônibus interligados, que atuam através de terminais. Os terminais centralizam e distribuem os ônibus pela cidade. E esses terminais são conectados. Você pode viajar de terminal em terminal e chegar do outro lado da cidade em pouco tempo (diz a lenda). Enfim, o que quero contar pouco tem a ver com o transporte público. Mas sim com as normas e regras impostas ao redor do mesmo. Basicamente, onde quero chegar, é no tratamento dado a ciclistas na cidade de Curitiba. Uma cidade que é tida como um dos exemplos no quesito transporte público não tem realmente uma política de expansão ou resignificação do transporte não-motorizado em duas rodas. Um exemplo disso é a forma como fui tratado quando, por deslize, entrei em um terminal de ônibus com minha bicicleta. Eu já sabia que bicicletas não são permitidas no terminal. Dizem que é por nossa segurança. Ok, pode até ser. Mas se eu não passou no terminal tenho que passar pela rua. O que é mais perigoso para mim, desviar de dois ônibus parados no terminal ou competir com carros a toda velocidade nas ruas que passam as voltas do terminal? Bom, esse é um dos pontos que toco para chamar a atenção da sociedade dos carros.
Outro ponto que quero tocar é a forma como os seguranças e vigias, trantam os ciclistas quando esses utilizam-se do terminal para seguir o seu caminho. Eu, mesmo que equivocadamenten, fiz isso na última segunda-feira. Em um ato totalmente sem intenção entrei em um terminal (que basicamente é uma rua onde param os ônibus para coletar as pessoas). Como só me toquei que havia entrado no terminal quase no seu final, resolvi continuar e passar rapidinho. Quando estava a dois passos do terminal surgiu um vigia, guarda, segurança ou sei lá o que do terminal. Portando seu cacetete, ele o empunhou e o apontou na direção do meu rosto, dizendo palavras como: - Parando aí! Parando aí!!!
Eu respondi: - Desculpa senhor, entrei por engano.
- OK, agora é só fazer meia volta e passar por fora do terminal. Disse o vigia
- Mas senhor, deixa eu passar, estou quase fora do terminal. Justifiquei
- Se eu deixar você, vou ter que deixar a todos. Por isso, ou você dá meia volta ou terá que pagar a tarifa de ônibus de R$2,20. Se você não pagar eu vou TOMAR sua bicicleta e prende-la até você pagar a tarifa de liberação. Disse o Vigia
Nesse momento, olhei para o lado e haviam mais dois vigias indo na minha direção.
-Que isso cara. Disse.
O vigia encostou na minha bike.
Eu dei um passo pra trás e virei com rapidez.
Saí pedalando na direção que havia entrado no terminal. Aproveitar pra mandar um:
-Só porque tem um pedaço de pau na mão acha que é grande coisa. Enfia esse cacetete no cu.
E sai pensando como algo tão simples, como um pedaço de madeira e uma roupa com o dizer segurança, pode fazer diferença na vida de uma pessoa. Se tudo isso fosse pó, chamaria de cocaina!!!