14 julho, 2009

Economia e arte visual contemporânea

Artigo do ministro da Cultura, Gilberto Gil, publicado no jornal O Estado de S. Paulo - SP, 11/02/2008

Atualmente, a inovação no campo da arte não se restringe ao questionamento de suportes tradicionais

A contemporaneidade é pensada pela arte em termos de intensidade e de agenciamento; o valor de cada obra é sua capacidade de se afirmar em relação ao presente. Sabemos que hoje cada manifestação do processo criativo está integrada ao mundo de uma economia atuante e catalisadora fundada na dinâmica do novo. A economia contemporânea tem na arte o modelo, já que a produção de bens se tornou cada vez mais “imaterial”, operando por diferenciais simbólicos consumidos pelo público. O sistema de trocas, valorizações, equivalências e diferenciações no espaço global se alimenta da força vital que é produzida pelos processos artísticos em uma rede inteligente que gira em torno do mundo.

Atualmente, a inovação no campo da arte não se restringe ao questionamento de suportes tradicionais, porque a densidade de cada obra reside no apontamento de conceitos e tendências que ela propõe como “valores”. Se a arte se impõe como objeto de desejo aos que buscam possuí-la, seja pela compra ou pelo domínio intelectual, o consumo de arte também produz capacidades emancipatórias e possibilita reapropriações criativas. A atividade estética estimula os ambientes de inovação em nossa sociedade, porque “obras de arte” se converteram em potência instauradora da “experiência contemporânea”.

A arte hoje está situada em um campo cultural mais amplo, algo que chamamos de “economia da experiência”, como a moda, a gastronomia e a arquitetura, que dão feições criativas e inovadoras ao ambiente das cidades globais. Dessa forma, o mundo econômico imita o mundo da produção artística, estabelecendo negócios com a experiência proposta por obras contemporâneas. Isso ocorre mesmo quando a arte questiona o mundo econômico ou o desmobiliza através de dispositivos perceptivos, tecnológicos ou intelectuais. Mas a arte continua buscando dissolver com ironia essa fixação por um “design de experiência” que persegue a sociedade de consumo contemporânea. A grande questão a nos desafiar hoje é: como pode a arte conviver ativamente com o mundo econômico sem se desintegrar na dinâmica de mercado, evitando perder valores próprios e aniquilar potências simbólicas?

Esse foi o impasse que nos mobilizou a organizar a mostra de artistas brasileiros na Arco8 na Espanha, uma das maiores feiras de arte contemporânea da atualidade. A presença do Brasil como convidado em destaque no evento celebra a produção visual ao permitir conhecimentos de seus múltiplos valores. Uma tradução cultural para o contexto de Madri daquilo que atualmente é desafio no campo estético brasileiro, mostrando respostas artísticas arejadas que se diferenciam no sistema global. Os curadores, Paulo Sergio Duarte e Moacir dos Anjos, tiveram autonomia para eleger obras e estabelecer parâmetros junto ao MinC, assumindo a responsabilidade de fazer significativo recorte de nossa produção contemporânea. A opção foi inverter o processo seletivo usual em feiras comerciais e estabelecer o foco em artistas, no reconhecimento crítico. Ousaram afirmar o momento vivido no qual o valor cultural abre ao universo econômico possibilidades que ele mesmo não teria condições de impor, criando oportunidades de expansão do mercado. Além da feira, Madri verá em muitas instituições a riqueza da arte que nos afirma como nação contemporânea.

Ao lado de nomes conhecidos, foram incluídos outros que ainda não têm a visibilidade internacional, como artistas no início de suas carreiras, que aos poucos se afirmam no País como referências da atualidade. Na mostra brasileira que levaremos à Arco buscaremos mostrar várias gerações das artes visuais brasileiras hoje em convívio. Investimos também no sentido histórico e crítico que emerge do século 20, referenciais sedimentados por Hélio Oiticica, Mira Schendel, Lygia Clark, Geraldo de Barros e tantos outros. A permanência dinâmica desse campo é visível em desdobramentos realizados por artistas como Cildo Meireles, Antônio Dias, Tunga, Paulo Bruscky, entre outros.

Temos uma arte que torna visível a complexidade do País que vive aberturas e deslocamentos no mundo contemporâneo. Apresentamos no projeto o que dá carga semântica ao que afirmamos como “diversidade cultural”. Essa a nossa diretriz em políticas culturais aquém e além fronteiras. O exposto é processo vivo de consolidação, no contexto brasileiro, da arte contemporânea mundial, assim como de coleções e instituições internacionalizadas. Hoje somos vetor marcante na cultura global, no campo de visualidades e visibilidades, justamente porque nosso ambiente humano e estético, biopolítico e tecnológico, simboliza a noção de “diversidade cultural”, com todos conflitos e dissonâncias implicados nesse termo.

Buscamos compor o ambiente das exposições em elementos construtivos que aliam contigüidade e transparência, um meio cultural que se esquiva de amarras, blindagens ou modismos, seja no elogio irrestrito a expressões supostamente “locais”, seja na adesão fácil a linguagens que se pretendem “universais”. Se o local é o irredutível que emerge em cada momento de nossa simbolização e o universal o seu oposto, não nos deixamos jamais fixar a um ou a outro desses pólos extremados, que querem capturar a vitalidade do que nos é contemporâneo. Nossa participação na Arco, assim como o conjunto das políticas desenvolvidas pelo Ministério da Cultura, partem desse princípio agregador e abrangente da contemporaneidade. Nossa vitalidade e nossa força criativa só serão plenas e devidamente fortes se resultarem da soma, da pluralidade de expressões e linguagens que nos caracterizam e nos diferenciam no mundo. Esse é o Brasil que conhecemos, esse é o Brasil que queremos mostrar.

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