30 janeiro, 2010

Livro aponta crise na qualidade dos sambas de enredo do carnaval

Direto do sítio www.ig.com.br Valmir Moratelli, iG Rio de Janeiro

Os sambas de enredo podem estar em extinção. O ritmo vem se descaracterizando desde a década passada

Autores indicam os sete melhores sambas de enredo da história

Os sambas de enredo, como são conhecidos hoje em dia, pouco têm a ver com o que lhes definiram e diferenciaram ao longo dos anos, dentro da música popular brasileira. É essa teoria que Alberto Mussa e Luiz Antonio Simas expõem em “Samba de Enredo: História e Arte”, recém-lançado pela editora Civilização Brasileira.

Para os autores, essa “morte” do gênero musical foi anunciada com o conhecido samba da Acadêmicos do Salgueiro, que venceu o carnaval de 1993 com o enredo “Peguei um Ita no Norte”. Desde então, o refrão ‘explode, coração/ na maior felicidade’, entoado até em estádios de futebol, passou a ser copiado e recriado à exaustão. “O ‘explode coração’ funciona bem para os blocos de rua do Leblon, não para um desfile de escola de samba. Mas as pessoas acham que é fantástico. Virou referência para todo mundo. Acham que samba tem que ser feito para dar pulinhos, balançar os braços e sacudir. Criou-se o ‘samba-frevo’”, critica Mussa, que é salgueirense.

A partir daí, as baterias tiveram seus ritmos alucinadamente acelerados, o que acarretou a perda da qualidade das melodias. “Transferiram para as escolas uma característica dos blocos de rua, achando que carnaval é uma coisa alegre. Confundiram escola de samba com bloco, numa época em que os blocos tinham acabado na cidade”, continua ele.
Construção épica

O que determina um samba de enredo, de acordo com os pesquisadores, é que, ao contrário de qualquer outro tipo de música urbana, sua construção não deve ser lírica, mas épica. “É uma manifestação objetiva de um tema, não é o sentimento do narrador ou do compositor, mas uma dissertação sobre um assunto que não foi proposto por ele, e sim pela escola ou pelo carnavalesco”, afirma Mussa.

Para ele, a perda dessa característica, trazendo uma conotação mais subjetiva aos versos, vem diminuindo o gênero. Os autores ainda citam outros fatores, que também contribuíram para o empobrecimento do ritmo musical.

Simas cita os enredos abstratos e a chegada de empresas privadas junto às agremiações, surgindo a era dos sambas patrocinados. “Em 2002, a Beija-Flor e o Salgueiro falaram de aviação. A primeira patrocinada pela Varig e a segunda pela TAM. Você até pode não ter um bom samba, tendo um bom enredo. Mas se você não tem bom enredo, dificilmente terá um bom samba”, alerta ele, sambista do Império Serrano e historiador da UFRJ.

Neste ano, eles lembram que apenas duas escolas apresentam autênticos sambas de enredo, nos moldes tradicionais: a Imperatriz (“Brasil de Todos os Deuses”) e a Vila Isabel (“Noel, o Poeta da Vila”, este composto por Martinho da Vila). “São letras que fogem do padrão convencional de melodias”, afirma Simas.

Os piores de 2010

Entre os piores da safra 2010, ambos os autores citam o da Grande Rio (“Das arquibancadas ao camarote nº 1. Um Grande Rio de emoção na Apoteose do seu coração”) e o da Portela (Derrubando Fronteiras, conquistando liberdade... Rio de paz em estado de graça!”). “Virou moda as empresas quererem fazer citação de suas marcas no meio da letra. A Portela vem falando de inclusão digital, mas é patrocinada pelo computador Positivo. Isso fica horrível num samba. Não dá também para cantar o ‘Camarote número 1’ na letra da Grande Rio”, aponta Mussa.

O livro vem ajudar a elucidar questões como a da evolução do samba, até chegar ao que se considera ser a decadência atual das músicas dos desfiles de carnaval. Apesar do pessimismo quanto ao gênero musical, Simas e Mussa creem que a contribuição da obra vai além. “É a primeira vez que o surgimento do gênero é tratado como um processo histórico”, diz Simas.

Os sete melhores sambas de enredo de todos os tempos, segundo os autores:

• “61 anos de República”, do Império Serrano (1951) – “É o primeiro samba que traz todas as características de samba-enredo. É uma narração épica, com melodia suave”, diz Mussa.

• “Seca do Nordeste”, de Tupi de Brás de Pina (1961) – “A escola já nem existe mais. Foi a primeira vez que foi retratado o problema da seca do Brasil num samba de enredo. Jamelão acreditava ser esse o maior samba de todos os tempos”, afirma Mussa.

• “Navio Negreiro”, do Salgueiro (1957) – “Foi a primeira vez que a escravidão foi retratada com ênfase na grandeza da violência”, analisa Simas.

• “História do Negro no Brasil”, mais conhecido como “Sublime Pergaminho”, da Unidos de Lucas (1968) – “Nesse samba a abolição dos escravos não foi atribuída unicamente à Princesa Isabel, mas à luta dos próprios negros. É um ponto de vista de um fato histórico”, afirma Simas.

• “Os Sertões”, da Em Cima da Hora (1976) – “É uma demonstração de que samba não precisa ser feito para as pessoas ficarem alegres. Além de resumir muito bem a belíssima obra de Euclides da Cunha”, diz Mussa.

• “Glória e Graça da Bahia, do Império Serrano (1966). “É um incrível samba do Silas de Oliveira. Me causa comoção, pela letra que possui. É monumental”, diz Simas.

• “Chico Rei”, do Salgueiro (1964) – “Sintetiza a revolução que a escola viria a fazer naquela década, em termos de estrutura de carnaval. Além de ser, entre todos os sambas de temática afro, o mais bonito”, afirma Simas.

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