31 agosto, 2008

A sabedoria do silêncio

Rubem Alves



Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as
Flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma".
Filosofia é um monte de idéias dentro da cabeça sobre como são as coisas.
Para se ver é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro:"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é
Dito é preciso também que haja silêncio dentro da alma".
Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar
Um palpite melhor sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a
dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração.
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa
arrogância e vaidade: no fundo somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo Jovelino que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela evolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes ninguém fala. Há um longo longo silêncio. (Os Pianistas antes de iniciar o concerto diante do piano ficam assentados em silêncio[...]. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas.).Todos em silêncio à espera do pensamento essencial. Aí de repente alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um Grande desrespeito pois o outro falou os seus pensamentos pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir são duas as possibilidades.

Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade não ouvi o que
você falou. Enquanto você falavaeu pensava nas coisas que iria falar
Quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".

Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já
Pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".
Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma Bofetada.
O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo
Que você falou". E assim vai a reunião.

Não basta o silêncio de for a. É preciso silêncio dentro. Ausência de Pensamentos.
E aí quando se faz o silêncio dentro a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência e se referia a algo que se ouve nos
interstícios das palavras no lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do
mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia ouvimos a melodia que não havia que de tão Linda nos faz chorar.

Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância e saber ouvir OS outros: a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

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